quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Por que ninguém falava bem de Diótrefes?


A terceira carta de João é uma daqueles trechos da Escritura Sagrada que raramente lemos em nossas igrejas. Para falar a verdade, embora não venhamos a gastar mais do que dez minutos para fazer a leitura dessa carta, estou convencido de que nem mesmo em nossos lares esse pequeno texto tem sido contemplado em nossas leituras. A despeito de nosso desprezo para com essa carta de João, esse é um texto extremamente interessante e atual. Ele nos fornece um retrato da igreja primitiva que muito se assemelha ao retrato da igreja cristã na atualidade em muitos aspectos.

O texto nos fala primeiramente de um homem chamado Gaio; muito provavelmente um dos líderes dessa igreja. Esse homem, como se pode depreender da leitura da carta de João, acolhia e encaminhava os mestres e missionários itinerantes que viajam de cidade em cidade ajudando a estabelecer novas congregações [1].

Este trabalho desenvolvido por Gaio de acolher e encaminhar os missionários que saiam pelo mundo, sem sustento determinado, para implantar novos trabalhos, nos primeiros anos do Cristianismo, ganhou notoriedade e chegou até os ouvidos do apóstolo João [2]. Com base neste bom testemunho que os missionários traziam a respeito de Gaio, João, cheio de alegria, dirige uma carta a Gaio, a quem chama de seu filho, a fim de encorajá-lo em seu ministério de apoio amoroso para com aqueles que decidiram servir a Deus especificamente no estabelecimento de novas comunidades. Pois, fazendo isso, diz o apóstolo João, o seu amado filho estaria não só caminhado na verdade, mas também se tornando um cooperador na promoção da mesma [3]

É interessante, entretanto, observarmos que Gaio não era o único líder dessa igreja para qual o apóstolo João endereçou a sua terceira carta. É também provável que ele não fosse o líder mais “influente” nessa comunidade cristã do primeiro século. Essas são questões que podemos extrair da própria carta de João com relativa facilidade.

Esse outro líder de maior “influência” do que o próprio Gaio chama-se Diótrefes [4]. Pelo desenvolvimento da carta joanina, somos levados a inferir que Diótrefes era alguém de personalidade forte, muito inteligente e capaz de exercer forte liderança sobre a vida da igreja. Um líder, portanto, para muitos, acima de qualquer questionamento. Contudo, a despeito de suas qualidades pessoais e da função que ocupava na igreja, a fama de Diótrefes não era boa. Ninguém falava bem dele. Diferente de Gaio, ele não tinha um bom testemunho.

Por que ninguém falava bem de Diótrefes? Por que, diferente de Gaio, o seu testemunho era péssimo? O apóstolo João nos leva a entender as inúmeras razões do péssimo testemunho deste líder da igreja primitiva através desse trecho de sua carta:
         
Escrevi alguma coisa à igreja; mas Diótrefes, que gosta de exercer a primazia entre eles, não nos dá acolhida. Por isso, se eu for aí, far-lhe-ei lembradas as obras que ele pratica, proferindo contra nós palavras maliciosas. E, não satisfeito com estas coisas, nem ele mesmo acolhe os irmãos, como impede os que querem recebê-los e os expulsa da igreja” [5].    

Primeiro, Diótrefes era alguém que não se sujeitava a autoridade apostólica. Percebemos isso, quando o apóstolo João declara para Gaio que havia escrito alguma coisa para a igreja. Nesta carta, talvez, João tivesse tratado da necessidade desta igreja acolher e enviar os missionários itinerantes. Contudo, como observa o próprio João, Diótrefes não havia dado a mínima atenção para as suas palavras. Sendo essa, portanto, uma atitude de completo desrespeito para com o apóstolo.    
           
Segundo, Diótrefes era alguém que gostava de exercer a primazia entre os irmãos da igreja. Noutras palavras: Diótrefes tinha sede pelo poder. O seu ideal era manter-se sempre no primeiro lugar. A igreja não era, portanto, o lugar onde ele desenvolveria o seu ministério, o serviço ao Senhor e aos seus irmãos, mas o lugar onde encontraria aqueles que o servissem.
            
Essa característica de Diótrefes torna-se ainda mais evidente em três de suas atitudes destacadas pelo apóstolo João: Ele não acolhia os irmãos (uma referência aos mestres e missionários itinerantes), impedia aqueles que desejam recebê-los e, por fim, os expulsava da igreja. É bem provável que Diótrefes tenha apresentado boas justificativas para as atitudes que estava tomando. Talvez tenha dito para a sua igreja que suas ações tinham em vista manter a igreja pura de influências negativas. Não podemos negar que, não poucas vezes, os pastores devem agir para proteger suas igrejas da influência de lobos devoradores e o próprio apóstolo João parece reconhecer essa realidade em sua segunda carta [6]. Esse, contudo, não era o caso de Diótefres. O que ele intentava realmente era manter a igreja sob o seu domínio; torná-la sua propriedade particular e isso estava sendo ameaçado pelo fluxo de líderes em sua igreja.

Terceiro, Diótrefes era um líder caluniador. Ele, literalmente, espalhava mentiras sobre o apóstolo João e os seus colaboradores. A Nova Tradução da Linguagem de Hoje, procurando nos aproximar do sentido do texto grego, nos diz que Diótrefes não apenas pronunciava mentiras contra João e os seus, mas que as suas mentiras eram horríveis.
            
Qual o objetivo de Diótrefes com essas mentiras? Essa, sem dúvida, era uma estratégia para desacreditar o apóstolo João e os mestres e missionários itinerantes que colaboram com o seu ministério de implantação de novas congregações e assim se perpetuar no poder.
            
Por essas razões ninguém falava bem de Diótrefes e o apóstolo João orientava a Gaio para que não o tomasse exemplo. Isso porque, acrescenta João, apesar de Diótrefes está na liderança de uma igreja, ele não possuía as marcas de um verdadeiro cristão, ou seja, a prática do bem [7].
            
Essa pequena carta de João traz importantes lições, como dito, para a igreja em nossos dias:
            
Primeira, não precisamos nos deslocar para um lugar distante, deixar nossos familiares, abandonar nossos empregos, passar dificuldades extremas para se envolver com a atividade missionária. O exemplo de Gaio nos mostra justamente isso. Ou seja, sem deixar os nossos lares e igrejas podemos nos envolver intensamente com a missão. Gaio fazia isso, por exemplo, acolhendo e encaminhado missionários.  
            
Segunda, atividade missionária não é um programa da igreja ou um culto em algum domingo do mês. João nessa pequena carta, especificamente no elogio e incentivo que traz a Gaio, nos leva a entender que fazer missões é estar envolvido com a promoção da verdade. Isso, sem dúvida algum, é algo que precisamos observar.   
            
Terceira, a igreja, muitas vezes, sofre nas mãos de uma liderança anticristã. São homens inteligentes, carismáticos e com boa capacidade para dirigir a igreja. Líderes, para a grande maioria, acima de quaisquer suspeita. Todavia, como Diótrefes, são homens com sede pelo poder e nessa busca insaciável pelo poder revelam o seu verdadeiro caráter, ou seja, esses homens se mostram insubmissos, dominadores, arrogantes, presunçosos, mentirosos e inconsequentes.     
            
Observando esse tipo de liderança, retratada por meio de Diótrefes em sua carta, João nos declara que essa espécie de líder não é crente; não conhece a Deus; é um ímpio tentado fazer da igreja sua propriedade particular. O seu conselho para aqueles que sofrem com esse tipo de liderança, como Gaio, é o seguinte: “não imiteis o que é mau” [8].
           
A palavra aqui traduzida por imitar também poderia ser traduzida por mímica, o que aponta para a ideia de acompanhar os movimentos de outra pessoa. A forma como João coloca essa palavra em sua carta nos leva a entender que se Gaio decidisse seguir os passos de Diótrefes, deveria esta ciente de que estaria fazendo algo que não traria nenhum benefício para a sua vida. Infelizmente, muitas igrejas ainda não conseguiram entender essa verdade aqui ensinada pelo apóstolo João, pois continuam a seguir os passos de líderes que não trazem quaisquer benefícios para as suas vidas, isso porque são líderes que não possuem a nova vida em Cristo Jesus.  
            
Quarta, a carta de João, quando retrata o estilo de vida de Gaio e Diótrefes, nos ensina que o modo como tratamos as pessoas e as coisas sobre nossa responsabilidade revelam o nosso caráter. Gaio, como coloca João, era alguém que não só caminhava na verdade, mas também havia se tornado um promotor da mesma [9]. A vida de Gaio não era uma vida de discurso vazio, mas, acima de tudo, uma vida de prática da verdade. Diferente de Gaio, Diótrefes, embora no cargo de maior importância da igreja, era alguém apegado ao poder, mas desapegado da verdade [10]. Por meio desses frutos, Diótrefes revelava a sua verdadeira natureza; um homem que não conhecia a Deus [11].
            
Fazer essa distinção entre os bons líderes e aqueles de conduta duvidosa, como coloca o apóstolo João em sua carta, é algo que o próprio Jesus havia ensinado aos seus discípulos quando, numa referência aos falsos profetas, falava sobre a árvore má e a sua incapacidade de produzir frutos bons [12]. A igreja em nossos dias, como no tempo de Gaio, precisa urgentemente aprender a fazer essa distinção, pois, como naqueles dias, existem muitos Diótrefes hoje.              
            
Por fim, o apóstolo João nos leva a inferir em sua carta que aquilo de ruim que muitas vezes ouvimos falar sobre determinada igreja possui fundamento. Isso quer dizer que a própria igreja, de alguma forma, tem contribuí para a manutenção de um péssimo testemunho ao seu respeito. Muitas vezes faz isso por meio de seus líderes mais influentes, como no caso de Diótrefes que tentava fazer da igreja sua propriedade particular, outras vezes, por meio de seus próprios integrantes que também não andam de acordo com a verdade.
            
Todavia, se é certo que uma igreja pode contribuir para destruição de sua imagem por meio das ações de seus líderes e membros, também é verdade que uma igreja pode trabalhar no sentido oposto. Esse era o caso de Gaio; homem que andava na verdade e estava também comprometido com a promoção da mesma. Por isso, diferente de Diótrefes, as pessoas falavam bem dele. Por isso também o apóstolo João o elogiou e o incentivou a permanecer em sua caminhada.
            
Não Diótrefes, que se conduzia de maneira anticristã e por isso não possuía um bom testemunho, mas Gaio, um homem que andava na verdade, deve ser o paradigma para a igreja em nossos dias. Assim construiremos um testemunho melhor para a igreja e alcançaremos a graça do povo ao mostra ao mundo a luz de Deus o nosso Pai [13].             

____________
[1] 3 João 6-8.
[2] Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal, p. 1793.
[3] 3 João 4, 8.
[4] 3 João 9.
[5] 3 João 9-10.
[6] A segunda carta de João orienta como a igreja deveria agir com os falsos mestres itinerantes do I século. 
[7] 3 João 11.
[8] 3 João 11.
[9] 3 João 4, 8.
[10] 3 João 9, 10.
[11] 3 João 11.
[12] Mateus 7.15-20.
[13] Mateus 5.16.


Autor: Hebert Leonardo Borges de Souza, ministro batista, bacharel em teologia pelo Seminário Teológico Batista Nacional de Pernambuco e licenciado em física pela Universidade Federal Rural de Pernambuco

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