A terceira
carta de João é uma daqueles trechos da Escritura Sagrada que raramente lemos
em nossas igrejas. Para falar a verdade, embora não venhamos a gastar mais do
que dez minutos para fazer a leitura dessa carta, estou convencido de que nem
mesmo em nossos lares esse pequeno texto tem sido contemplado em nossas leituras.
A despeito de nosso desprezo para com essa carta de João, esse é um texto
extremamente interessante e atual. Ele nos fornece um retrato da igreja
primitiva que muito se assemelha ao retrato da igreja cristã na atualidade em
muitos aspectos.
O texto nos
fala primeiramente de um homem chamado Gaio; muito provavelmente um dos líderes
dessa igreja. Esse homem, como se pode depreender da leitura da carta de João,
acolhia e encaminhava os mestres e missionários itinerantes que viajam de
cidade em cidade ajudando a estabelecer novas congregações [1].
Este
trabalho desenvolvido por Gaio de acolher e encaminhar os missionários que
saiam pelo mundo, sem sustento determinado, para implantar novos trabalhos, nos
primeiros anos do Cristianismo, ganhou notoriedade e chegou até os ouvidos do
apóstolo João [2]. Com base neste bom testemunho que os missionários traziam a
respeito de Gaio, João, cheio de alegria, dirige uma carta a Gaio, a quem chama
de seu filho, a fim de encorajá-lo em seu ministério de apoio amoroso para com
aqueles que decidiram servir a Deus especificamente no estabelecimento de novas
comunidades. Pois, fazendo isso, diz o apóstolo João, o seu amado filho estaria
não só caminhado na verdade, mas também se tornando um cooperador na promoção
da mesma [3]
É
interessante, entretanto, observarmos que Gaio não era o único líder dessa
igreja para qual o apóstolo João endereçou a sua terceira carta. É também provável
que ele não fosse o líder mais “influente” nessa comunidade cristã do primeiro
século. Essas são questões que podemos extrair da própria carta de João com
relativa facilidade.
Esse outro
líder de maior “influência” do que o próprio Gaio chama-se Diótrefes [4]. Pelo
desenvolvimento da carta joanina, somos levados a inferir que Diótrefes era
alguém de personalidade forte, muito inteligente e capaz de exercer forte
liderança sobre a vida da igreja. Um líder, portanto, para muitos, acima de
qualquer questionamento. Contudo, a despeito de suas qualidades pessoais e da
função que ocupava na igreja, a fama de Diótrefes não era boa. Ninguém falava
bem dele. Diferente de Gaio, ele não tinha um bom testemunho.
Por que
ninguém falava bem de Diótrefes? Por
que, diferente de Gaio, o seu testemunho era péssimo? O apóstolo João nos leva
a entender as inúmeras razões do péssimo testemunho deste líder da igreja
primitiva através desse trecho de sua carta:
“Escrevi alguma coisa à igreja; mas Diótrefes, que gosta de
exercer a primazia entre eles, não nos dá acolhida. Por isso, se eu for aí,
far-lhe-ei lembradas as obras que ele pratica, proferindo contra nós palavras
maliciosas. E, não satisfeito com estas coisas, nem ele mesmo acolhe os irmãos,
como impede os que querem recebê-los e os expulsa da igreja” [5].
Primeiro,
Diótrefes era alguém que não se sujeitava a autoridade apostólica. Percebemos
isso, quando o apóstolo João declara para Gaio que havia escrito alguma coisa
para a igreja. Nesta carta, talvez, João tivesse tratado da necessidade desta
igreja acolher e enviar os missionários itinerantes. Contudo, como observa o
próprio João, Diótrefes não havia dado a mínima atenção para as suas palavras.
Sendo essa, portanto, uma atitude de completo desrespeito para com o apóstolo.
Segundo,
Diótrefes era alguém que gostava de exercer a primazia entre os irmãos da
igreja. Noutras palavras: Diótrefes tinha sede pelo poder. O seu ideal era manter-se
sempre no primeiro lugar. A igreja não era, portanto, o lugar onde ele
desenvolveria o seu ministério, o serviço ao Senhor e aos seus irmãos, mas o
lugar onde encontraria aqueles que o servissem.
Essa
característica de Diótrefes torna-se ainda mais evidente em três de suas
atitudes destacadas pelo apóstolo João: Ele não acolhia os irmãos (uma
referência aos mestres e missionários itinerantes), impedia aqueles que desejam
recebê-los e, por fim, os expulsava da igreja. É bem provável que Diótrefes tenha
apresentado boas justificativas para as atitudes que estava tomando. Talvez
tenha dito para a sua igreja que suas ações tinham em vista manter a igreja
pura de influências negativas. Não podemos negar que, não poucas vezes, os
pastores devem agir para proteger suas igrejas da influência de lobos
devoradores e o próprio apóstolo João parece reconhecer essa realidade em sua
segunda carta [6]. Esse, contudo, não era o caso de Diótefres. O que ele
intentava realmente era manter a igreja sob o seu domínio; torná-la sua
propriedade particular e isso estava sendo ameaçado pelo fluxo de líderes em
sua igreja.
Terceiro, Diótrefes
era um líder caluniador. Ele, literalmente, espalhava mentiras sobre o apóstolo
João e os seus colaboradores. A Nova Tradução da Linguagem de Hoje, procurando
nos aproximar do sentido do texto grego, nos diz que Diótrefes não apenas
pronunciava mentiras contra João e os seus, mas que as suas mentiras eram
horríveis.
Qual o
objetivo de Diótrefes com essas mentiras? Essa, sem dúvida, era uma estratégia
para desacreditar o apóstolo João e os mestres e missionários itinerantes que
colaboram com o seu ministério de implantação de novas congregações e assim se
perpetuar no poder.
Por essas razões
ninguém falava bem de Diótrefes e o apóstolo João orientava a Gaio para que não
o tomasse exemplo. Isso porque, acrescenta João, apesar de Diótrefes está na
liderança de uma igreja, ele não possuía as marcas de um verdadeiro cristão, ou
seja, a prática do bem [7].
Essa pequena
carta de João traz importantes lições, como dito, para a igreja em nossos dias:
Primeira, não
precisamos nos deslocar para um lugar distante, deixar nossos familiares,
abandonar nossos empregos, passar dificuldades extremas para se envolver com a
atividade missionária. O exemplo de Gaio nos mostra justamente isso. Ou seja,
sem deixar os nossos lares e igrejas podemos nos envolver intensamente com a
missão. Gaio fazia isso, por exemplo, acolhendo e encaminhado
missionários.
Segunda,
atividade missionária não é um programa da igreja ou um culto em algum domingo
do mês. João nessa pequena carta, especificamente no elogio e incentivo que
traz a Gaio, nos leva a entender que fazer missões é estar envolvido com a
promoção da verdade. Isso, sem dúvida algum, é algo que precisamos observar.
Terceira, a igreja, muitas vezes, sofre
nas mãos de uma liderança anticristã. São homens inteligentes, carismáticos e com
boa capacidade para dirigir a igreja. Líderes, para a grande maioria, acima de
quaisquer suspeita. Todavia, como Diótrefes, são homens com sede pelo poder e
nessa busca insaciável pelo poder revelam o seu verdadeiro caráter, ou seja,
esses homens se mostram insubmissos, dominadores, arrogantes, presunçosos,
mentirosos e inconsequentes.
Observando
esse tipo de liderança, retratada por meio de Diótrefes em sua carta, João nos
declara que essa espécie de líder não é crente; não conhece a Deus; é um ímpio tentado
fazer da igreja sua propriedade particular. O seu conselho para aqueles que
sofrem com esse tipo de liderança, como Gaio, é o seguinte: “não imiteis o que é mau” [8].
A palavra
aqui traduzida por imitar também poderia ser traduzida por mímica, o que aponta
para a ideia de acompanhar os movimentos de outra pessoa. A forma como João coloca
essa palavra em sua carta nos leva a entender que se Gaio decidisse seguir os
passos de Diótrefes, deveria esta ciente de que estaria fazendo algo que não
traria nenhum benefício para a sua vida. Infelizmente, muitas igrejas ainda não
conseguiram entender essa verdade aqui ensinada pelo apóstolo João, pois continuam
a seguir os passos de líderes que não trazem quaisquer benefícios para as suas
vidas, isso porque são líderes que não possuem a nova vida em Cristo
Jesus.
Quarta, a
carta de João, quando retrata o estilo de vida de Gaio e Diótrefes, nos ensina
que o modo como tratamos as pessoas e as coisas sobre nossa responsabilidade
revelam o nosso caráter. Gaio, como coloca João, era alguém que não só
caminhava na verdade, mas também havia se tornado um promotor da mesma [9]. A
vida de Gaio não era uma vida de discurso vazio, mas, acima de tudo, uma vida
de prática da verdade. Diferente de Gaio, Diótrefes, embora no cargo de maior
importância da igreja, era alguém apegado ao poder, mas desapegado da verdade
[10]. Por meio desses frutos, Diótrefes revelava a sua verdadeira natureza; um
homem que não conhecia a Deus [11].
Fazer essa
distinção entre os bons líderes e aqueles de conduta duvidosa, como coloca o
apóstolo João em sua carta, é algo que o próprio Jesus havia ensinado aos seus
discípulos quando, numa referência aos falsos profetas, falava sobre a árvore
má e a sua incapacidade de produzir frutos bons [12]. A igreja em nossos dias,
como no tempo de Gaio, precisa urgentemente aprender a fazer essa distinção,
pois, como naqueles dias, existem muitos Diótrefes hoje.
Por fim, o
apóstolo João nos leva a inferir em sua carta que aquilo de ruim que muitas
vezes ouvimos falar sobre determinada igreja possui fundamento. Isso quer dizer
que a própria igreja, de alguma forma, tem contribuí para a manutenção de um péssimo
testemunho ao seu respeito. Muitas vezes faz isso por meio de seus líderes mais
influentes, como no caso de Diótrefes que tentava fazer da igreja sua
propriedade particular, outras vezes, por meio de seus próprios integrantes que
também não andam de acordo com a verdade.
Todavia, se
é certo que uma igreja pode contribuir para destruição de sua imagem por meio
das ações de seus líderes e membros, também é verdade que uma igreja pode trabalhar
no sentido oposto. Esse era o caso de Gaio; homem que andava na verdade e
estava também comprometido com a promoção da mesma. Por isso, diferente de
Diótrefes, as pessoas falavam bem dele. Por isso também o apóstolo João o
elogiou e o incentivou a permanecer em sua caminhada.
Não
Diótrefes, que se conduzia de maneira anticristã e por isso não possuía um bom
testemunho, mas Gaio, um homem que andava na verdade, deve ser o paradigma para
a igreja em nossos dias. Assim construiremos um testemunho melhor para a igreja
e alcançaremos a graça do povo ao mostra ao mundo a luz de Deus o nosso Pai [13].
____________
[1] 3 João 6-8.
[2] Bíblia de Estudo
Aplicação Pessoal, p. 1793.
[3] 3 João 4, 8.
[4] 3 João 9.
[5] 3 João 9-10.
[6] A segunda carta
de João orienta como a igreja deveria agir com os falsos mestres itinerantes do I século.
[7] 3 João 11.
[8] 3 João 11.
[9] 3 João 4, 8.
[10] 3 João 9, 10.
[11] 3 João 11.
[12] Mateus 7.15-20.
[13] Mateus 5.16.
Autor: Hebert Leonardo Borges de Souza,
ministro batista, bacharel em teologia pelo Seminário Teológico Batista
Nacional de Pernambuco e licenciado em física pela Universidade Federal Rural
de Pernambuco.