KNIGHT, George W. A profecia no Novo Testamento. São Paulo: Editora Os puritano, 1998, 33 p.
Nos
últimos cem anos temos assistido, de maneira mais acentuada, as tensões entre
continuismo e cessacionismo. Um dos pontos básicos desse conflito repousa na
seguinte questão: O dom de profecia esteve circunscrito ao período apostólico
ou ainda continua em vigor em nossos dias?
Opondo-se
a católicos, carismáticos, pentecostais, renovados e neopentecostais, o Dr.
George Knight III, professor adjunto de Novo Testamento no Seminário
Presbiteriano Greenville, advoga que a profecia é um dom revelacional dos dias
da igreja primitiva e que cessou depois que a Escritura do Novo Testamento foi
escrita.
Para defender esta ideia, o Dr. George observa
que “A primeira referência à profecia no Novo Testamento acha-se registrada em
Atos 2:14ss, especificamente nos versículos 17 e 18” (p. 7,8). Nesse texto, o
apóstolo Pedro diz que o que fora profetizado por Joel (2.28-32) acabara de se
cumprir na vida dos discípulos de Jesus. A partir dessa declaração de Pedro, o
autor destaca duas importantes verdades: Primeira, a profecia é uma obra do
Espírito Santo sobre a vida de alguém. Segunda, o profeta Joel “prediz e
descreve a profecia do Novo Testamento nos termos da profecia do Antigo
Testamento” (p. 8).
Como
a profecia no Novo Testamento é descrita da mesma forma que a profecia no
Antigo Testamento, o Dr. George busca, na sequência de seu texto, uma definição
bíblica para a atividade profética. Apoiando-se em Dt 18.18, que diz: “Suscitar-lhes-ei
um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a ti, em cuja boca porei as
minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar”, ele encontra a
definição por excelência de profecia: profeta é aquele capacitado para falar as
palavras que o próprio Deus lhes dá, ou seja, o profeta é aquele que traz a
revelação de Deus.
George
Knight procura confirmar essa definição por meio de textos neotestamentários
que descrevem a atividade profética - (At 11:27-28; At 21:10ss; At 13:1-3; I Co
14:29-32; Ef 3:5; 2 Pe 1:21; 1Tm 1:18 e 4:14) – e na sequência aborda, mais
detidamente, os textos de I Co 11 ao 14. Da análise desses textos paulinos
chega à mesma conclusão: a atividade profética envolve a recepção e a
comunicação da revelação divina.
Apoiando-se
em 1 Pe 1.21, onde encontra-se registrado que “[...] nunca jamais qualquer
profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens santos falaram da
parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo”, o Dr. George defende a
inviolabilidade de sua definição, isto é, a atividade profética é revelacional
por natureza.
Dada
a definição de profecia, o Dr. George, no curso de sua obra, passa a considerar
se este dom revelacional ainda continua em atividade na atualidade. Para negar
a continuidade do dom de profecia em nossos dias, ele se apoia basicamente nos
textos de Efésios 2.20, 3.5 e 4.11, embora reconheça que o texto mais
importante para o entendimento da cessação da atividade profética na igreja
pós-apostólica é Efésios 2.20. A partir desse texto, a autor conclui que as
profecias não mais existem porque faziam parte do trabalho de fundação da
igreja e que por isso “todas as exortações do Novo Testamento relacionadas à
profecia não são mais prescritivas para nós os que vivemos após o período
fundacional dos apóstolos e profetas, o qual já cessou” (p. 30).
O
livro de George Knight, “A profecia no Novo Testamento”, é uma ótima obra para
quem deseja entrar em contato com o pensamento cessacionista de forma rápida e
objetiva. O problema com o pensamento do autor na defesa de seu cessacionismo, talvez
pela brevidade de suas palavras, esta na limitação da função profética a
fundação da igreja, se esquecendo, por exemplo, que o Paulo, na mesma carta aos
Efésios, também associa a atividade profética a edificação do corpo de Cristo.
Esse
ramo da atividade profética era algo de vital importância para a edificação da
igreja primitiva, como podemos verificar em vários textos citados pelo próprio George
Knight:
- As profecias proferidas por Ágabo em At 11.27-30 e At 21.10 não estavam revelando o mistério de Cristo nem princípios apostólicos ou proféticos fundamentais para a vida do povo de Deus, mas apenas prevendo eventos futuros da vida da Igreja;
- Em At 13.1-3, igualmente, não temos uma revelação profética do mistério de Cristo, mas a atividade profética dirigindo a igreja na escolha de seus missionários.
- Em 1Co 14.3,4, Paulo destaca claramente o propósito edficacional da profecia: edifica, consola e exorta.
- Em 1 Co 14.24,25, o apostolo Paulo também observa que a profecia tinha como objetivo revelar os segredos do coração dos incrédulos.
- Em I Co 14:29-32 a profecia também não tinha uma caráter fundacional, mas edificacional, visto que destinava-se a consolação da igreja;
- Em 1Tm 1:18; 4:14, o apóstolo Paulo, ao exortar o pastor Timóteo com o claro objetivo de que este desenvolvesse bem o seu ministério, lembra que o mesmo fora objeto de profecias. A profecia neste caso também não parece ter um caráter fundacional.
A
conclusão a que chegamos é que o Dr. George Knight ao limitar a atividade
profética a questão fundacional da igreja, parece não reconhecer que a igreja
necessita da atividade profética como um meio para a sua edificação na
atualidade. Reconheço que o Dr. George Knight poderia argumentar contra a minha
conclusão da seguinte forma: não precisamos de profecias porque já temos a
Bíblia, a revelação de Deus por excelência. O problema com esta declaração é
que a Bíblia só veio a se tornar acessível à grande massa do povo de Deus a
partir do século XVIII. Logo, a história do povo de Deus, pelo menos a sua
maior parte, é uma história divorciada da revelação divina.
Por
outro lado, é difícil entender como a atividade profética da nova aliança seria
menos intensa do que a atividade profética da antiga, já que os profetas da
antiga aliança profetizaram que nos “últimos dias”[*] Deus derramaria do seu
Espírito sobre toda a carne e como consequência desse derramar todos
profetizariam.
Autor: Hebert Leonardo Borges de Souza, ministro batista, bacharel em teologia pelo Seminário Teológico Batista Nacional de Pernambuco e licenciado em física pela Universidade Federal Rural de Pernambuco.
[*] Essa expressão
encontra-se em Atos 2.17 e é
compreendida pelos teólogos como uma referência clara ao período compreendido
entre a primeira e a segunda vinda de Cristo.